Maria Alice Estrella

Invísivel

Por Maria Alice Estrella
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Recebi uma mensagem muito significativa em cujo desenrolar havia o relato da realidade vivida por uma mulher idosa que, subjetivamente, narrava a sensação de ter ficado invisível, ao longo do tempo, no convívio familiar.

A riqueza das colocações endossou toda uma vivência com detalhes de um cotidiano que foi a transformando em alguém transparente aos olhos dos que a rodeavam.

Surpreendi-me pensando em como realmente isso acontece de forma figurativa. De repente, percebemos que nos tornamos invisíveis numa relação amorosa, numa amizade, num ambiente de trabalho, no convívio familiar. Deixamos de ser vistos. Somos incorporados à paisagem e começamos a compor um cenário. Podem olhar para nós, mas não nos veem.

E o mais inacreditável é que se somos protagonistas de uma invisibilidade desconfortável, isso ocorre, no mais das vezes, por nossa própria postura frente aos outros. Vamos perdendo o contato visual, depois, lentamente, o contato verbal e por aí seguimos sem marcar presença, sem sermos notados.

Pode acontecer, por exemplo, no caso de uma vida a dois, na qual é mais cômodo ficar opaco, e por omissão ou conformismo nos deixamos cobrir por um véu.

Frequentemente, em situações que fogem ao nosso controle, o mais apropriado é que sejamos invisíveis mesmo. Incômodos à parte, o fato de ficarmos translúcidos facilita a tarefa de viver momentos inconvenientes. Porém, o constante exercício dessa invisibilidade, cria o hábito e quando percebemos, é tarde demais para retroceder. Estamos tal e qual a personagem do Quarteto Fantástico das histórias em quadrinho: - “a Mulher Invisível.” Passamos a ser alguém que ninguém percebe, de quem não sente-se falta, de quem não pertence ao grupo.

A vida nossa de cada dia, apesar do imaginário que a cerca, não é ficção nem é virtual. É realidade palpável. E se é palpável inviabiliza a invisibilidade.

Dentre todas as possibilidades inerentes a essa questão, a pior é a invisibilidade que impomos a nós mesmos, quando deixamos de nos olharmos, de nos enxergarmos em essência e plenitude. Começamos a distinguir um vulto no espelho, que parece com alguém que conhecemos, mas não lembramos de onde, de como, de quando.

Aquela tênue silhueta, aquele rosto esmaecido tem algo de familiar, mas está tão intangível que esmaeceu e desaparece aos poucos. Quase nem reconhecemos a nós mesmos.
Lembrei agora de uma crônica do saudoso Artur da Távola e em homenagem a ele cito o título: - “Alguém que já não fui.”

Pois, com essa invisibilidade de que somos ou nos tornamos alvo, podemos nos transformar em “alguém que já não é”. E isso, creio eu, nenhum de nós deseja.

Concordo com Saint-Exupéry em sua célebre frase; - “O essencial é invisível para os olhos”, mas no que diz respeito só a sentimentos. Quando o assunto se refere ao tangível de carne e osso de que também somos feitos, é imprescindível ser visível no essencial do único e exclusivo.

Afinal é o diferencial.

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